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Muamba Não Foi Salvo Por Um Milagre

Até agora não temos informações precisas sobre a causa da parada cardíaca, que o meio campista Fabrice Muamba do Bolton sofreu no meio de uma partida de futebol. Embora tenha sido relatado que o jogador no presente momento já esteja falando, comendo e até mesmo dando passos ao redor do centro de terapia intensiva da London Chest Clinic, ele, provavelmente, ainda terá um longo caminho a percorrer rumo à recuperação completa. Se ele algum dia vai poder voltar a jogar futebol ou não é ainda uma grande incógnita.

Sobreviver a uma parada cardíaca após 78 minutos de esforços de ressuscitação é caso raro. A imagem do jovem jogador imóvel em campo rodeado por um batalhão de médicos e especialistas em primeiros socorros é dramática e impossível de esquecer. Apesar de muitas vezes, inicialmente, não conseguirmos antever os efeitos psicológicos que tais episódios acarretarão no longo prazo, eles existirão e serão marcantes e duradouros.

São episódios trágicos como a parada cardíaca do Muamba ou outros dramas parecidos, como morte e doença, que nos levam a uma reflexão mais profunda, introspectiva e filosófica sobre o significado de nossas vidas, obrigando-nos a refletir sobre o que é realmente importante e o que tem, verdadeiramente, significado nelas. Em tais situações nos deparamos com a fragilidade da vida humana e, consequentemente, com a nossa própria mortalidade. Ante ao fato acontecido com o Muamba, podemos até mesmo ser induzidos a acreditar que o impossível pode acontecer…

Mas, e se a sobrevivência do Muamba não foi um produto do acaso, ou uma intervenção divina, ou seja, um milagre mesmo? Podemos supor que ele realmente foi salvo por procedimentos de resgate, altamente eficientes, que estavam disponíveis no estádio especificamente para socorros em eventualidades como a sua, em que ele se encontrava entre a vida e a morte.

A quase totalidade das pessoas que sofrem uma parada cardíaca encontra-se em um local sem qualquer infraestrutura disponível de resgate ou atendimento para a execução dos primeiros socorros. Não há nem mesmo alguém com a capacidade de executar os procedimentos mais elementares dentro do protocolo de ressuscitação cardio pulmonar (RCP), ainda menos, com a capacidade de reconhecer os sintomas que afligem a vítima.

Muamba, por outro lado, encontrou-se diante de um verdadeiro “hospital móvel” a poucos metros de onde sofreu a parada cardíaca. Quantas pessoas ao sofrerem uma parada cardíaca poderiam, possivelmente, ser salvas pelo mesmo “milagre”, se tivessem a sua disposição a mesma infraestrutura de resgate que foi dispensada ao Muamba?

O lado mais fascinante do caso envolvendo o jogador foram os mais atualizados recursos da área “Ciência da Ressuscitação” que, provavelmente, foram utilizados e que contribuíram decisivamente para sua sobrevivência.

Nada é mais importante, num episódio envolvendo uma parada cardíaca, que o reconhecimento imediato do que está acontecendo com a vítima. Não é possível iniciar qualquer tipo de tratamento médico, sem a noção do que está afligindo o paciente. A equipe de resgate que atendeu as necessidades de Muamba foi capaz de diagnosticar imediatamente o mal que sofria o jogador. Assim sendo, não perdeu tempo em prestar-lhe os primeiros socorros.

É sabido que os primeiros dez minutos após uma parada cardíaca são extremamente críticos para a sobrevivência do paciente e da mais alta importância para seu tratamento clínico. Comilla Sasson, conhecida especialista em medicina de emergência, professora da Universidade de Denver e responsável pelo desenvolvimento de programas de ensino do RCP, disse em entrevista por telefone, que as chances de sobrevivência da vítima após uma parada cardíaca diminuem 10% para cada minuto que as manobras (RCP) forem retardadas.

A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) é um conjunto de manobras, envolvendo suporte ventilatório e compressões (massagens cardíacas) no peito da vítima, destinadas a garantir a oxigenação dos órgãos quando a circulação do sangue de uma pessoa está interrompida, em decorrência de uma uma parada cardiorrespiratória. Nesta situação, se o sangue não é bombeado para os órgãos vitais, como o cérebro e o coração, esses órgãos acabam por entrar em necrose, pondo em risco a vida da pessoa.

Um dos aspectos mais importante na implementação das técnicas de ressuscitação é a eficiência da execução da massagem cardíaca, além da utilização do desfibrilador, que deve ser imediata se disponível no momento. O desfibrilador é um aparelho portátil encontrado em ambulâncias e muitos outros locais públicos. O aparelho é utilizado na parada cardiorespiratória com objetivo de restabelecer ou reorganizar o ritmo cardíaco. As chances são mínimas de uma pessoa sobreviver a uma parada cardíaca quando ela não tem acesso imediato a um desfibrilador. “Menos de 10 % das pessoas que sofrem uma parada cardíaca tem acesso a um desfibrilador”, disse a Dra. Sasson

É evidente que, durante a parada cardíaca que Muamba sofreu, ele teve acesso imediato a um desfibrilador e também recebeu massagens cardíacas altamente eficientes. Os médicos e os membros da equipe de resgate que atenderam o jogador provavelmente executaram as manobras do RCP (suporte ventilatório e massagens cardíacas) com perfeição. A técnica apurada exercida de forma correta com as mãos sobre o peito da vítima, no local exato, com a pressão rítmica apropriada, é fundamental e muitas vezes só praticada com perfeição por um profissional da área.

Existe uma grande diferença em receber massagens cardíacas de uma pessoa no meio da rua com pouca experiência e o mesmo tratamento através de um cardiologista ou membro de uma equipe de resgate. A implementação das massagens cardíacas por alguns minutos é fisicamente desgastante. No caso envolvendo o jogador, observou-se que havia mais de um profissional com habilidade para executar os movimentos. Assim sendo, as massagens cardíacas foram contínuas e eficientes, graças ao revezamento desses profissionais.

Também foi relatado que, quando Muamba estava na ambulância a caminho da London Chest Clinic, o cardiologista Andrew Deaner, que havia tratado o jogador no campo, administrou medicamentos importantes ao jogador. Fármacos como a epinefrina e vasopressina para tratar de paradas cardíacas são rotineiramente utilizados em ambulâncias pelo mundo inteiro.

Segundo Clifton Callaway, respeitado médico de emergência da University of Pittsburgh e especialista em medicina de ressuscitação, tais medicamentos são conhecidos por melhorarem a circulação sanguínea, redirecionando o fluxo de áreas menos vitais para o coração e o cérebro. “As pessoas que não recebem tais medicamentos são as que, geralmente, respondem imediatamente à desfibrilação ou tratamento do RCP”, disse ele.

Outro procedimento, a hipotermia terapêutica, pode muito bem ter desempenhado um papel muito importante na preservação da função neurológica do jogador Fabrice Muamba.Este procedimento, já faz parte dos serviços de ambulância em muitas regiões dos Estados Unidos e Reino Unido. A hipotermia terapêutica empregada após uma parada cardíaca induz à redução da temperatura corporal para cerca de 32 a 34 graus Celsius, por um período de 24 horas. Romergryko Geocadin, renomado médico de terapia neuro-intensiva e pesquisador da Universidade John Hopkins, disse-me que o procedimento reduz a inchação e a inflamação que degradam e prejudicam a função neurológica normal.

É difícil saber exatamente em que condição neurológica Muamba se encontra no momento. No entanto, o fato dele estar vivo e de termos informações que ele está lentamente se restabelecendo é extraordinário. Porém, isto, não aconteceu por acaso.

Milagres acontecem, eu acredito neles, e vale a pena dizer que sou um homen de fé. No entanto, ao referirmo-nos à sobrevivência e a recuperação de Muamba como milagrosa, corremos o risco de menosprezar os recursos impressionantes da medicina de ressuscitação, que há mais de cinquenta anos vêm sendo minuciosamente pesquisados??, testados e aperfeiçoados. Seria um ato de grande irresponsabilidade de nossa parte designar tais eventos dessa forma.

Seria, também, uma grande injustiça contra a obstinada e motivada equipe de resgate que, naquele dia fatídico, lutou incessantemente pela vida do jogador, executando tais procedimentos de forma perfeita, sem vacilar. Esses, profissionais, sim, foram os verdadeiros heróis daquele dia, por quem Muamba deverá ser eternamente grato.

 

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