Marotonistas devem ter cuidado ao usarem medicamentos do tipo estatinas
RIO — O interesse pela prática de maratonas e corridas cresce em todo o mundo. E as pessoas que gostam de correr e precisam de drogas para controle do colesterol devem tomar mais cuidado, alerta Ricardo Guerra, mestre em Ciência da Fisiologia do Esporte pela Liverpool John Moores University; com experiência em diversos clubes de futebol do Oriente Médio e da Europa e nas seleções nacionais do Egito e Qatar. Esses medicamentos aumentam os níveis de uma enzima prejudicial aos músculos após corridas de longa duração. Em entrevista, ele diz o que fazer para se proteger.
O GLOBO: Maratonistas que precisam tomar estatinas para controle de colesterol devem ter maior cuidado?
RICARDO GUERRA: A maratona por si só é uma agressão fisiológica a diversos sistemas do organismo. Um estudo publicado no American Journal of Cardiology examinou o efeito das estatinas sobre uma enzima muscular chamada creatina quinase. Níveis elevados desta enzima no sangue e nos músculos após exercício intenso têm uma alta correlação com danos aos músculos esqueléticos. A maratona e outros esportes como o triatlo, que exigem extrema resistência, estão associados a danos significativos ao tecido muscular. Níveis da enzima creatina quinase podem elevar-se, em média, de dez a 15 vezes (ou até mais) 24 horas após o término de uma maratona. Entretanto, o organismo tem a capacidade de reparar as estruturas das células musculares, na grande maioria das pessoas.
O GLOBO: O que diz o estudo?
RICARDO GUERRA: O estudo conduzido por Beth Parker, do Henry Low Heart Center, no Hartford Hospital, de Connecticut, descobriu que os níveis de creatina quinase após a corrida eram significativamente maiores no grupo de corredores que estava usando estatinas para tratar o colesterol elevado do que no grupo de controle (não usuários). Daí se deduz que o risco de danos ao tecido muscular dos maratonistas que usam a estatinas tende a ser maior. Os valores mais altos de creatina quinase em corredores usuários de estatinas poderiam, em casos extremos, aumentar a predisposição a uma grave e aguda condição muscular: rabdomiólise. Isto é a quebra da parede plasmática das células que formam os músculos, o que induz a liberação do seu conteúdo no sangue, e isto é lesivo aos rins.
O GLOBO: O que os corredores devem fazer?
RICARDO GUERRA: Recomendo que usuários de estatinas procurem sempre seu médico. Embora não existam estudos que comprovem que o uso das estatinas por corredores ou maratonistas afetem seu desempenho nas corridas, é bem possível que a performance e o rendimento de muitos atletas seja prejudicado, principalmente os de elite. Na literatura científica há relatos de atletas profissionais que apresentam níveis elevados de colesterol e raramente toleram o tratamento com estatinas, por causa de problemas musculares provocados por elas. Existe um entendimento de que tais medicamentos atingem os músculos de forma negativa; tanto que a indústria farmacêutica está empenhada no desenvolvimento de uma classe de estatinas que não têm capacidade de atacar os músculos. Fica claro que existe maior desgaste muscular. As dores e a fadiga, em geral, são muito comuns em usuários das estatinas, não só em corredores. Pesquisas demonstram que essas drogas afetam os principais processos fisiológicos que estão diretamente envolvidos na contração muscular.
O GLOBO: Corredores devem interromper o uso de estatinas?
RICARDO GUERRA: O atleta deve sempre procurar a orientação profissional do seu médico sobre a viabilidade de suspensão das estatinas. Porém, é aconselhável tal interrupção alguns dias antes da prova. Da mesma forma, quanto aos treinamentos, o corredor deverá informar a seu médico a carga de exercícios programada antes da prova. Então ele pode dizer como proceder. Não existem estudos que determinem exatamente o número de dias que são necessários sem o uso de estatinas, para que corredores não corram riscos em decorrência de sua participação numa maratona. O organismo de cada corredor, dependendo de sua capacidade fisiológica, apresentará em maior ou menor grau reações adversas em razão dos esforços durante a prova.
O GLOBO: Corredores que tomam estatinas podem apresentar problemas emocionais?
RICARDO GUERRA: Há muitos relatos de casos em que as estatinas prejudicam a função neurológica, não apenas em corredores. Existem queixas de problemas cognitivos, como falta de atenção e concentração e até perda de memória, além de problemas emocionais, causados pelas estatinas. Medicamentos que inibem a produção de colesterol no fígado, como as estatinas, podem também inibir a síntese de colesterol no cérebro, o que é prejudicial para a função neurofisiológica normal. Se a síntese de colesterol é inibida no cérebro, o mecanismo que inicia a liberação de neurotransmissores fica comprometido.
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