Nas duas últimas semanas, o mundo inteiro vem acompanhando a recuperação do jogador Fabrice Muamba, meio-campista do Bolton Wanderers, equipe da Premier League do futebol inglês, que sofreu parada cardíaca durante o jogo contra o Tottenham, dia 17 de março passado. O fato de Muamba ter sobrevivido a tal incidente, em que a equipe médica precisou usar o desfibrilador mais de 15 vezes para reanimá-lo durante os 78 minutos em que esteve “efetivamente morto”, é simplesmente impressionante, pois, muito poucas pessoas são capazes de resisitir a um episódio como esse. Para se ter uma ideia, de cada dez pessoas que sofrem uma parada cardíaca fora de um hospital, nove morrem.
No momento, os fatores e as anormalidades (patologias) cardiovasculares que levaram Muamba a sofrer tal parada cardíaca, são totalmente desconhecidos pelo público. Essa informação, provavelmente, só é do conhecimento dos médicos e familiares do jogador. Até a publicação deste artigo, foram feitas várias tentativas para contatar os médicos responsáveis pelo tratamento e a recuperação do jogador. O cardiologista da London Chest Clinic, Dr. Sam Mohiddin, que está liderando a equipe no tratamento do atleta, recusou ser entrevistado, respondendo por sua secretária a um pedido feito pela reportagem.
As informações sobre o estado clínico do jogador e as causas que podem ter provocado a parada cardíaca, divulgadas pelo hospital nos boletins médicos, são escassas. Sanjay Sharma, conhecido cardiologista entre os atletas britânicos, que poderia ter informações sobre o caso, mas que não tratou do jogador, também não retornou meus pedidos de entrevista.
No entanto, segundo o cardiologista Barry J. Maron, do Minneapolis Heart Institute, renomado internacionalmente, autor de mais de 800 artigos científicos e uma das maiores autoridades na área da cardiomiopatia hipertrófica (CH), existem cerca de 20 patologias que podem ter desencadeado os eventos que levaram à parada cardíaca do jogador, sendo a mais provável a CH.
A CH é uma doença genética que provoca hipertrofia em partes do miocárdio (músculo do coração), o que dificulta a saída do sangue e força, consequentemente, o coração a trabalhar mais para bombear o sangue.
O fato ocorrido no estádio do Tottenham lembra outros casos parecidos, como os do camaronês Marc Vivien-Foé, que morreu durante um jogo da Copa das Confederações de 2003, do Húngaro Feher Miklos, que morreu depois de passar mal durante uma partida em Portugal, e do zagueiro Serginho, do São Caetano, que também teve morte súbita num jogo contra o São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro. Em todos esses casos, a morte foi atribuída a cardiomiopatia hipertrófica.
Todos os fatos envolvendo o episódio que Muamba sofreu fazem parte de uma história dramática. Porém, existe um outro lado dessa narrativa, que tem sido completamente ignorado pela imprensa mundial. Mesmo não havendo atualmente nenhuma informação sobre os exames aos quais o jogador foi submetido, existem relatos que dão conta que Muamba havia sido previamente examinado de forma preventiva contra problemas cardíacos.
Supondo que o jogador tenha sido submetido a alguma bateria de testes no passado, seria interessante saber que tipo de exames foram realizados e, se ele era portador de uma anormalidade cardíaca, por que ela não foi constatada. É muito provável que em algun momento ele deva ter sido submetido a um ou mais eletrocardiogramas (ECG). O ECG é um exame não invasivo, que utiliza a colocação de eletrodos no peito tornando possível gravar as variações de ondas elétricas emitidas pelas contrações do coração durante um período de tempo. Tal exame oferece inúmeras informações sobre a presença de diversos problemas cardíacos.
O uso do eletrocardiograma para o diagnóstico preventivo em diversos atletas, no Reino Unido, é muito comum. Países, por exemplo, como a Itália e Israel têm leis em vigor que torna obrigatório o diagnóstico preventivo de todos os atletas com um ECG. É bem possível que Fabrice Muamba possa ter tido resultados completamente normais, sem patologias, portanto, em todos os exames cardiovasculares a que tenha sido submetido ao longo de sua carreira, incluindo um ou mais ECG.
Se alguém acredita que o eletrocardiograma é infalível e que diz tudo, entre os diversos métodos existentes para o diagnóstico de anomalidades cardiovasculares, então pode ter que se preparar para uma grande surpresa. Resultados falsos negativos em um eletrocardiograma não são incomuns e tais procedimentos, quando administrados sem o acompanhamento de um ecocardiograma, às vezes podem proporcionar diagnóstico incompleto ou impreciso.
Na verdade, 10% dos pacientes que sofrem de cardiomiopatia hipertrófica podem ter um eletrocardiograma normal ou quase normal. A parada cardíaca que Muamba sofreu, supostamente, também poderia estar mais relacionada a outros raríssimos problemas genéticos de difícil diagnóstico.
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